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Foto do escritorClaudio Senna Venzke

A Espiritualidade como Caminho para o Desenvolvimento Organizacional

Atualizado: 29 de out. de 2020

A espiritualidade nos permite ampliar a capacidade de visualizar e fazer conexões do imanente com o transcendente, para ver além das fronteiras tradicionais.



Estamos num momento em que se torna mais clara a incapacidade de muitas organizações lidarem de forma efetiva com a grande quantidade de variáveis envolvidas (sociais, econômicas, ambientais, culturais, emocionais, dentre outras), gerando impactos negativos não só externamente, sob o ponto de vista socioambiental, mas também internamente, como na saúde e no bem-estar psicológico dos colaboradores (esgotamento, ansiedade, depressão), impactando na produtividade, criatividade, engajamento e no desempenho organizacional.


O nosso grande desafio é buscar caminhos para reduzir estes impactos externos e internos, que possam ir além dos atuais e consolidados modelos, técnicas e práticas de gestão, que não se mostram compatíveis com mudanças organizacionais no contexto atual, principalmente por serem fortemente focados nas variáveis econômicas e financeiras.

Assim, neste artigo apresentarei um caminho que tenho utilizado na educação e no desenvolvimento de gestores e líderes nas organizações que atendo. Este desenvolvimento tem foco numa visão organizacional mais ampla, onde todos os envolvidos (colaboradores, acionistas, diretores, clientes, sociedade, ambiente) tenham oportunidade de obter benefícios com as ações e produtos destas organizações. O caminho aqui proposto, visa também desenvolver a dimensão subjetiva das pessoas, utilizando os conceitos da espiritualidade na busca do desenvolvimento em todas as dimensões organizacionais. Este caminho tem um papel importante para o florescimento de organizações mais sustentáveis, fomentando mudanças de comportamento e integrando visões e valores, de modo a criar uma sociedade mais justa para todos.


O foco deste caminho, aqui apresentado, é de conscientizar os gestores sobre a dimensão humana, visando ampliar as suas visões de mundo e seus papéis. Muito da carência dos gestores, com relação às suas visões de mundo e seus papéis, dá-se pelo fato da dimensão humana ser predominante disciplinar nos cursos de gestão, não sendo um tema transversal e não estando integrada aos demais tópicos. As competências humanas para os gestores necessitam estar relacionadas à inclusão de reflexão crítica nas suas formações acadêmicas. A reflexão crítica leva ao entendimento de que a realidade é apreendida de múltiplas formas, socialmente construídas e baseadas nas experiências e interações sociais vivenciadas.


Assim, os conceitos da espiritualidade nas organizações têm um potencial de gerar uma maior capacidade de reflexão, de autoconsciência, de sensibilidade pelo outro, de geratividade pessoal, e uma capacidade de abertura criativa. Isto visa educar gestores para que possam compreender os seus próprios propósitos e motivações, procurando superar o desafio de reduzir os impactos negativos, externos e internos, das organizações.


A espiritualidade nas organizações


Para ficar mais claro o caminho que utilizo, é importante o entendimento dos conceitos da espiritualidade nas organizações, que será mais à frente apresentado, partindo da necessidade de ampliação da consciência dos gestores, percebendo algo maior do que eles e as organizações que participam. 


A espiritualidade visa dar subsídios para atender a necessidade de conexão com um propósito maior, no qual os gestores desempenham os papéis de agentes de transformação, ampliando as fronteiras da gestão, mediando realidades e produzindo sentido para si e para os envolvidos nas suas decisões gerenciais. Isto refere-se também ao impacto exercido em direção a um ponto de referência transcendente, ou seja, fora da organização. Além do reconhecimento das forças que emanam da pessoa por inteiro, das interconexões dos ambientes humanos e não humanos, e da natureza global dos processos sociais e naturais.


O uso dos conceitos da espiritualidade nas organizações, por ser um tema emergente, pode gerar muitas confusões ou diferentes concepções conceituais sobre o que é, e quais são seus impactos nas organizações. Desta forma, para um melhor entendimento do tema, serão abordadas a seguir concepções referentes à espiritualidade nas organizações. A primeira colocação importante que deve ser feita está relacionada à diferenciação das concepções de religião e de espiritualidade. Neal (2013) sinaliza que religião e espiritualidade não podem ser consideradas a mesma coisa, embora estejam altamente inter-relacionadas, apontando que a religião pode ser um caminho para a espiritualidade, mas que as pessoas podem ter uma busca espiritual sem estarem envolvidas em uma religião em particular.


Ainda no sentido de diferenciar religião e espiritualidade, Gyatso (2000) aponta que a religião está relacionada com a fé e com as aclamações de uma ou de outra tradição de fé, um aspecto no qual é aceita alguma forma de paraíso ou nirvana. Conectado com isso, estão os ensinamentos religiosos ou dogmas, as orações, rituais e assim por diante. Enquanto a espiritualidade está relacionada com as qualidades do espírito humano, tais como amor e compaixão, paciência, tolerância, perdão, contentamento, um sentido de responsabilidade e uma sensação de harmonia que trazem felicidade tanto para si como para os outros.


De forma complementar, a energia espiritual é abordada por Zohar (2012) como sendo uma inteligência espiritual, que é a habilidade de acessar significados mais elevados, valores, finalidades por si só e aspectos inconscientes do indivíduo, para incorporar esses significados, valores e propósitos numa forma de vida mais próspera e mais criativa.

Com a introdução acima, apresento o conceito de espiritualidade nas organizações que desenvolvi na minha tese de Doutorado em Administração (VENZKE, 2015): 


Espiritualidade é a busca de conexão com aspectos externos, ampliando a consciência individual e coletiva para reconhecer a capacidade de influência mútua entre os aspectos imanentes e os transcendentes, onde percebemo-nos como parte de um todo maior que nós mesmos, atuando de forma a impactar positivamente o todo, sendo também impactados por este todo. 

Transcendência, dentro do conceito apresentado, significa reconhecer e conectar-se a elementos além da dimensão individual, elevar-se ou ir além do cotidiano individual. De forma geral, significa conectar-se à família, aos amigos, aos colegas de trabalho, à comunidade, às questões sociais do país, aos demais seres vivos e, dependendo da amplitude espiritual que se está buscando alcançar, significa conexão com as energias ou as consciências superiores que movem as pessoas. 


A imanência está ligada aos poderes dentro de um indivíduo, aquilo que é referente às pessoas. De forma geral, são os valores, crenças, atitudes, habilidades dos indivíduos. A imanência se traduz pelo pertinente a um ser, como a existencialidade própria do ser humano. O imanente está no todo que compreende o humano e o transcendente é tudo o que está na possibilidade humana.


A ampliação da consciência, no sentido do conceito de espiritualidade apresentado, significa ampliar a capacidade de visualizar e fazer conexões do imanente com o transcendente, com a capacidade de ver além das fronteiras tradicionais.


É neste sentido de ampliação da consciência que o conceito de espiritualidade exposto anteriormente visa atuar. Na minha atuação nas organizações, a ampliação da consciência dos gestores tem o objetivo de reconhecerem a capacidade de influência mútua dos seus aspectos imanentes com os aspectos transcendentes, percebendo-se assim como parte de um todo maior que eles mesmos. O processo de transformação, para ampliação da consciência, visa levar os gestores à compreensão dos seus valores individuais fundamentais, e a partir disto ter o comprometimento de viver alinhado com eles.


Para este processo de transformação, utilizo vivências e práticas de meditação focadas em outros elementos chave da espiritualidade, além da transcendência, que têm o potencial de conduzirem aos objetivos das organizações de forma mais humana. Alguns destes elementos trabalhados nas vivências e práticas meditativas são: a gratidão, o altruísmo (bondade, empatia e compaixão), o amor e a humildade.


Ser grato significa sentir e expressar um profundo sentimento de gratidão na vida e, mais especificamente, reservar um tempo para expressar genuinamente gratidão aos outros. Numa visão ainda mais transcendente, podemos ser gratos por presentes espontâneos da natureza, como uma brisa fresca em um dia quente, a chuva que irriga o solo para produzir nossos alimentos ou o sol que nos aquece e energiza.


O altruísmo conecta-se com a bondade, que se relaciona com ter empatia e compaixão. A compaixão significa realmente estar lá para atender alguém, ouvindo atentamente seu sofrimento ou apenas sentando-se com ela e silenciosamente apoiando-a. Essa compaixão envolve uma profunda preocupação com o bem-estar dos outros. A bondade também é nutrir e cuidar dos outros e realizar boas ações.


O amor não é somente abordado como uma emoção, refere-se ao grau em que valorizamos os relacionamentos íntimos com as pessoas e contribui para essa proximidade de maneira calorosa e genuína. Na relação com a espiritualidade, o amor compassivo e altruísta pode ser estimulado por meio da ampliação do senso de propósito e significado, facilitando a consciência no sentido de sermos mais auto reflexivos, criativos e alinhados com o impacto e significado das nossas atividades.


A humildade é uma força relaciona à virtude da temperança, sendo que a temperança descreve os pontos fortes que ajudam a gerenciar hábitos e a proteger contra excesso. Neste contexto, a humildade significa avaliar com precisão nossas realizações. Na perspectiva da espiritualidade, a humildade envolve a auto avaliação precisa, reconhecimento de limitações, manutenção de realizações em perspectiva e não somete foco em si mesmo. As pessoas humildes não distorcem as informações para defender ou verificar sua própria imagem e não precisam se ver ou se apresentar como melhores do que realmente são.


Vivências e técnicas meditativas para o desenvolvimento organizacional


As vivências aqui apresentadas não têm a intenção de serem prescritivas, ou como únicos caminhos, mas sim, ilustrativas de como desenvolvo cada os temas relacionados à espiritualidade nas organizações. Desta forma, o apresentado aqui é apenas início de uma longa jornada, com todos seus desafios, em direção aos valores humanistas e espirituais no desenvolvimento gerencial, estimulando o espírito humano para as organizações crescerem e florescerem sustentavelmente.


Para desenvolver a capacidade de transcendência nos gestores, utilizo uma vivência meditativa que é explorar os componentes não visíveis de um produto que a organização produz. Uso o conceito de “interser” proposto pelo mestre budista Thich Nhat Hanh, onde ele explica que, a princípio, pode-se considerar utilitariamente uma folha de papel somente como um objeto para um determinado uso. Porém, ao ampliar a visão das conexões que tornam possível uma folha de papel existir, ela pode ser considerada como o resultado da transformação da energia do sol, dos nutrientes da terra, do carbono presente no ar, da água e de outros elementos em celulose, e todo trabalho humano envolvido. Proponho isto para os gestores terem consciência de como um produto impacta o ambiente externo, transcendente, e como os colaboradores são impactados, positiva ou negativamente, pelo impacto do produto no ambiente.


Ainda relacionado à transcendência, é importante o trabalho com a força da gratidão. O que envolve sentir e expressar um profundo sentimento de gratidão na vida e reservar um tempo para expressar genuinamente gratidão aos outros. Isto visa gerar uma resposta psicológica: o sentimento transcendente de gratidão, a sensação de ter recebido um presente de uma pessoa ou mesmo da natureza. Utilizo a vivência “carta da gratidão”, onde um colaborador escreve uma mensagem para o colaborador que executou uma atividade imediatamente anterior à sua, e que tenha sido relevante para o seu trabalho. As mensagens podem ser identificadas ou anônimas, pois o mais importante é a pessoa receber a mensagem, para ter a resposta psicológica, do que saber quem escreveu.


A espiritualidade para o desenvolvimento organizacional tem outra base importante, que é o altruísmo. Para o desenvolvimento do altruísmo nas organizações, busco a ampliação do senso de propósito e significado, facilitando a consciência dos gestores e demais colaboradores, no sentido de serem mais auto reflexivos, criativos e alinhados com o impacto e significado das suas atividades.


Uma vivência sugerida é de “colocar-se nos sapatos dos outros”, que podem ser os clientes e também os seus colegas. Para isto, uso o “mapa da empatia”, proposto por Gray (2014). Esta é uma ferramenta poderosa e excelente, que ajuda a se colocar no lugar de outra pessoa, que pode ser um cliente em potencial, um usuário de produto ou seus colegas. Ele permite que compreendamos a experiência deles, baseando-se em objetivos e em questões. 


Na expressão do amor dentro das organizações, trabalho com o amor compassivo e altruísta.

Uma técnica meditativa e vivencial que utilizo, para o desenvolvimento do tema amor nas organizações, é a “escuta e fala conscientes”. A fala consciente significa falar de maneira honesta e concisa, específica, direta e do coração. Isso envolve abandonar as falas e comentários ofensivos e repetições. A escuta consciente significa dar atenção total ao falante, com bondade e compaixão genuínas, deixando de lado o impulso de reagir ou pensar o que se quer dizer em seguida. O propósito desta pratica é melhorar a comunicação consciente, conectar-se profundamente com a outra pessoa, praticar, ver e ouvir realmente o outro ser humano.


Pessoas humildes pensam bem de si mesmas e têm um bom senso de quem são, mas também estão conscientes de seus erros, lacunas em seu conhecimento e imperfeições. Desta forma, uma vivência proposta aos gestores é examinarem suas limitações e potencialidades. Escrevendo uma carta para si mesmos, sobre si mesmos. Sobre suas forças, e sobre suas limitações e barreiras para sua humildade. Sendo tão precisos quanto possível. Revisando a carta, resumindo como podem manter a humildade. 


O aprendizado que tenho, oferecendo estas vivências, é que os negócios podem aliviar o sofrimento e elevar a alegria de nossas vidas, enquanto ainda oferecem desempenho para os acionistas. Os negócios com uma visão mais transcendente podem se tornar locais de florescimento para os colaboradores e para as suas famílias, uma fonte de solução sustentável para clientes, comunidades e ecossistemas e uma força de cura na sociedade, ajudando a aliviar as divisões culturais, econômicas e políticas.


Referências


GRAY, D. The Connected Company. Boston: O’Reilly, 2014.

GYATSO, T. Uma ética para o novo milênio. Rio de Janeiro: 7ª ed. Sextante, 2000.

HANH, T. N. O Coração da Compreensão. Porto Alegre: 2ª ed. Bodigaya, 2014.

NEAL, J. Creating Enlightened Organizations: Four Gateways to Spirit at Work. Londres: Palgrave Macmillan, 2013.

ZOHAR, D. QS: Inteligência Espiritual. Rio de Janeiro: Viva Livros, 2018.

VENZKE, C. S. Educação para a sustentabilidade e o desenvolvimento docente na Administração. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Administração. Porto Alegre:2015



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